domingo, 19 de setembro de 2010

Imitar outros animais é um dos melhores truques de sobrevivência

Em uma manhã ensolarada de outubro, o Dr. Fabiano Calleia, pesquisador da Universidade Federal do Amazonas, andava pela floresta de várzea em Manaus observando seu grupo habitual de oito saguis, enquanto esses pequenos macacos escuros de gestos elegantes atacavam os frutos de uma figueira.

De repente, a paz do café da manhã foi quebrada pelo som característico do choro de um filhote de sagui - uma série de assobios curtos e agudos, como o apito de uma chaleira fervendo, que lembra os sons de um código Morse. Um sagui macho subia e descia de uma árvore, tentando em vão localizar a origem do som. O ruído continuou e outros macacos começaram a ficar irritados. Nesse momento, Calleia percebeu espantado que os gritos não eram provenientes de um filhote de sagui, mas de um gato maracajá, que se parece com a jaguatirica, de olhos e patas grandes e apetite por carne de macaco.

O gato maracajá se esgueirou na mata simulando sons de símio e partiu em direção aos saguis. O gato saltou, um macaco sentinela gritou e todo o bando escapou ileso.

Ao retornar ao acampamento, Calleia relatou o episódio ao Dr. Fabio Rohe, responsável pelo programa WCS-Brasil (Wildlife Conservation Society - Brasil) na Amazônia, que imediatamente lembrou o que os habitantes locais haviam dito: o maracajá e outros gatos selvagens caçam imitando os sons de suas presas. "Eu disse que o som se comparava ao de macacos usando ferramentas! Vamos escrever alguma coisa ", lembrou Rohe em uma entrevista por email. "Assim, logo começamos a escrever!"

Os cientistas publicaram sua descrição da primeira "observação oficial de campo do comportamento de mímica do gato maracajá" na revista “Neotropical Primates” no ano passado, mas só agora o artigo tem circulado entre os pesquisadores de campo.

O relatório é apenas um exemplo de uma série de descobertas recentes de casos de imitação. Este trunfo de puro entretenimento valoriza os originais em que se baseia. A imitação pode ser a forma mais sincera de lisonja, a forma mais grave de agressão ou a estratégia mais estranha de sobrevivência. Se você pensa que não há nada novo acontecendo, você pode estar certo. Mas lembre-se que a imitação é
uma máquina de novidades permanente da natureza.

Por exemplo: os cientistas desvendaram que em algumas espécies de formigas a rainha é uma percussionista consumada, munida de um órgão minúsculo e afiado, que toca as fanfarras reais para manter seus trabalhadores na linha. Quem imaginava que a rainha pudesse ser esta caixa de som? Seus parasitas deviam saber com certeza.

Também foram encontradas larvas parasitas de borboletas na colônia, as quais utilizam seus músculos abdominais ou outras partes do corpo para imitar os ruídos da rainha. Um ato de pirataria musical, que induz as formigas operárias a vibrar e regurgitar o alimento diretamente na boca dos parasitas.

Descobriu-se que baratas alemãs de ambos os sexos imitam o cheiro e a sensação de baratas adultas do sexo feminino, enganando os machos adultos, que abrem suas asas e expõem suas reservas escondidas de açúcar de maltose, proteínas e gorduras. Os machos sintetizam as secreções como um presente para cortejar as companheiras, mas as baratas ninfas, com suas mandíbulas doces, evoluíram os meios físicos e químicos de manipulação.

Segundo Coby Schal, professor de entomologia da Universidade Estadual da Carolina do Norte, o mimetismo dentro das espécies é raro na natureza. Recentemente, ele e seus colegas publicaram um artigo no site “Animal Behaviour” sobre uma estratégia que batizaram de assédio na prisão. Ele afirma que "os seres humanos fornecem às baratas o tipo de ecologia artificial que gera comportamentos realmente incomuns. "Suprimentos irregulares, acesso insuficiente ao solo e ao nitrogênio.Não é de se admirar que as baratas jovens aprendam a trapacear.

O polvo mutante
Talvez o caso mais notável de mimetismo ocorrido recentemente é o do polvo mímico da Indonésia, com tantos truques de mudança de cor e de forma à sua disposição, que nem oito mãos conseguem segurá-lo.

Um relatório publicado este mês na revista “Biological Journal”, da Linnean Society, apresenta a história da evolução do
Thaumoctopus mimicus, um molusco marinho descoberto há apenas doze anos.
Assim como outros polvos, o
T.mimicus pode usar seu sistema nervoso para mudar instantaneamente de cor, criando padrões perfeitos de papel de parede. Porém, diferentemente da maioria dos polvos, o mímico opta por se tornar mais visível aos predadores em potencial.

Caso precise aventurar-se em águas perigosas, ele assume um disfarce ameaçador adequado ao contexto. Antes de sair nadando do fundo do mar, o polvo se arrepia e sua pele torna-se listrada, seu corpo e seus tentáculos tomam uma forma espinhosa, fazendo-se parecer com um tóxico peixe leão. Para deslizar pelo fundo do mar, o polvo deixa sua pele bege e esburacada, comprime o corpo, puxa seus membros para o lado: é um linguado, ondulando as barbatanas, olhando para baixo com seus olhos no alto da cabeça.

"Quando é perseguido por um peixe-donzela, ele transforma um de seus tentáculos em uma serpente do mar, seguindo seu padrão e contraste de cores. Além disso, ele incha a ponta do tentáculo para que se pareça com a cabeça da cobra", ilustra o Dr. Healy Hamilton, especialista em biodiversidade e informatização da Academia de Ciências da Califórnia e autor do relatório. "Serpentes do mar são predadores vorazes de peixes-donzela."

As imitações do polvo não são perfeitas, e nem precisam ser. “Se o predador parar por um instante, o polvo pode arremessar sua tinta e se afastar rapidamente”, diz ele.

Imitamos para sermos valorizados
Nós, humanos, também temos nossas pequenas doses de mimetismo. Ninguém quer ser ridicularizado ostensivamente ou trapaceado. As mímicas físicas, como a dos palhaços, são extremamente populares. No entanto, os psicólogos têm apreciado a profunda importância do mimetismo inconsciente, o qual nos faz sentir amados e valorizados ou simplesmente suavizam nossas tarefas cotidianas.

Sem perceber, quando conversamos com os amigos, combinamos nosso ritmo e tom de voz ao deles, adotamos postura similar e até mesmo imitamos os seus tiques. Estudos têm mostrado que quando os estudantes são instruídos a trabalhar em grupo com alguém que não para de mexer no cabelo ou tremer o pé, em seguida eles começam a reproduzir os mesmos gestos.

Os garçons que repetem os pedidos de seus clientes palavra por palavra ou que imitam sutilmente sua linguagem corporal recebem gorjetas melhores do que os garçons que resumem os pedidos ou desprezam sua fala corporal.

O laboratório do Dr. Rick van Baaren na Universidade de Radboud, na Holanda, descobriu recentemente que, em indivíduos que foram forçados a conviver com alguém instruído a evitar todas as formas de imitação verbal e comportamental os níveis de cortisol aumentaram. Foram necessárias repetidas mímicas para fazer suas taxas hormonais voltarem ao normal."Acredito que o efeito negativo de não ser imitado é até mais forte do que o efeito positivo de ser imitado", explica van Baaren.

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