Juliana Ravelli
O macaco-prego é uma das cerca de 130 espécies de macacos encontradas nas Américas Central e do Sul, mas a que vive na Serra da Boa Vista, no Piauí, tem algo especial, por isso chama a atenção dos estudiosos. Por que se diferencia dos outros? Pelo que se sabe até agora, é o único macaco nas Américas que utiliza pedras como ferramenta.
Um dos seus principais alimentos é a polpa de um coquinho típico da região, diferente do vendido no supermercado. Não se sabe como ou quando, porém o bicho descobriu que dentro desse fruto existe uma semente que pode ser ingerida.
Mas como arrancá-la se a casca é dura e não dá para quebrar com os dentes? É aí que está a habilidade curiosa desse bicho. Ele leva o coquinho - que já deve estar seco - até uma pedra bem grande e plana. Então, procura outra pedra bem resistente e pesadinha e a utiliza como martelo para esmagar o fruto. Dessa forma, consegue a semente que queria.
O fato chamou a atenção dos pesquisadores no início da década de 2000, quando descobriram a especialidade do macaco-prego piauiense por acaso. Antes disso, sabia-se apenas que chimpanzés, bonobos, orangotangos e gorilas (são de famílias diferentes e nenhum deles é originário das Américas) aprenderam a usar ferramentas espontaneamente. Em 2005, os cientistas começaram a desenvolver estudo mais detalhado sobre a espécie brasileira.Hoje, sabe-se que macacos-pregos de várias regiões do cerrado e caatinga também usam pedras para quebrar cascas de frutos duros.
Não é fácil vida de pesquisador
Para estudar os primatas, como o macaco-prego, os pesquisadores precisam observá-las bem de perto durante muito tempo, sem atrapalhar a vida dos bichos. Para isso, vivem no habitat deles. Nesses locais, precisam fazer com que os animais se acostumem à presença dos humanos. Dependendo do caso, esse processo pode demorar de três a seis meses.
Depois que isso acontece, começam a anotar o comportamento de cada indivíduo, que até recebem nomes para serem diferenciados uns dos outros. Para não perder nenhum detalhe, os estudiosos acordam antes dos animais e vão dormir depois. Andam muito. Para onde quer que o grupo vá, lá estão eles a acompanhando.
Na Mata Atlântica, por exemplo, passam frio por causa da grande umidade e chuvas frequentes. No cerrado do Piauí, enfrentam sol forte e muito calor. Mas, apesar de todo cansaço e esforço, quem realiza esse trabalho garante: vale a pena se dedicar ao estudo da bicharada. Como há algumas espécies mais difíceis de ser estudadas, sabe-se muito pouco ainda.
O da Mata Atlântica é diferente
Não é só o macaco-prego do Sul do Piauí que vem chamando a atenção dos pesquisadores. Os que vivem no Parque Estadual Carlos Botelho, em São Paulo, também possuem habilidade especial, que impressiona a todos. Essa espécie, que habita a Mata Atlântica, não usa pedras para quebrar casca de frutos. No entanto, acredita-se que tenha ótimo senso de direção. Por isso, consegue chegar a mesma fonte de alimento sempre por caminhos diferentes, sem precisar usar uma rota fixa.
Isso significa que ele não tem de decorar a paisagem que o cerca para chegar ao lugar que deseja sem se perder. De qualquer ponto da floresta em que esteja, consegue encontrar naturalmente a trilha mais fácil para ir à árvore em que esteve outras vezes, por exemplo. Nos primatas, essa capacidade só tinha sido notada no homem e em chimpanzés.
Imagina-se que a vida em ambientes tão diferentes seja o motivo pelo qual o macaco-prego paulista se comporta de modo bem diferente do piauiense. O primeiro vive na floresta e passa o dia sobre as árvores. O do Piauí habita o cerrado e caminha quase o tempo todo pelo chão. Isso os obriga a encontrar soluções distintas para sobreviver. As informações sobre o comportamento das duas espécies ajudarão os especialistas a desenvolver outros estudos para compará-las e chegar a novas descobertas.
Somos todos parentes?
O que o macaco-prego tem em comum com o homem? Ambos pertencem à ordem dos primatas, da qual fazem parte as cerca de 630 espécies conhecidas de macacos. Uma das principais características dessa turma são patas com cinco dedos e unhas achatadas, cérebro desenvolvido, face capaz de expressar emoções, olhos voltados para frente e par de mamas. Acredita-se que todos descendam de um mesmo ancestral que viveu há milhões de anos.
Por meio do estudo de alguns primatas, cientistas querem descobrir como aconteceu a evolução e o desenvolvimento das habilidades nos humanos, como criamos a linguagem ou inventamos as ferramentas.
Quase metade das espécies de primatas corre risco de extinção. Os vilões são a destruição do habitat, a caça e o comércio ilegal de animais.
Há duas grandes divisões. Os macacos do Velho Mundo, que têm narinas voltadas para frente, são originários da África, Ásia e Europa. Os pongídeos, o grupo geneticamente mais próximo do humano, como gorila, chimpanzé, bonobo e orangotango, são grandes e não possuem cauda.
Os do Novo Mundo são originários das Américas. Têm narinas voltadas para os lados e cauda preensil, que se enrola e funciona como quinta pata. São bem menores. Neste grupo estão macaco-prego, micos, bugio, macaco-barrigudo e macaco-aranha.
Humanos e macacos têm alguns hábitos semelhantes. Ambos cuidam dos filhotes por muito tempo. São onívoros, alimentando-se de produtos de origem animal e vegetal. Os do Velho Mundo vivem em sociedades organizadas e podem demonstrar sentimentos complexos, como solidariedade.
Turma dos sabidinhos
O gorila é o maior e o mais forte entre os macacos. É muito inteligente. Já foi visto utilizando ferramentas, como galhos para verificar a profundidade de áreas alagadas e pedras para abrir frutos.
O orangotango também utiliza ferramentas. Em cativeiro, pode aprender a se comunicar por meio da linguagem dos sinais. Na natureza, as fêmeas aprendem com as mais velhas a cuidar dos filhotes.
O bugio é um dos maiores primatas das florestas tropicais do continente americano. É famoso pelo grito que emite que pode ser ouvido a cerca de 5 quilômetros de distância. É parente distante dos macacos acima.
O mico-leão só é encontrado na Mata Atlântica brasileira. É ágil e utiliza a longa cauda para se locomover no alto das árvores. Usa os dedos compridos para caçar insetos dentro de plantas, que servem de alimento.
O chimpanzé é bem inteligente. Pega galho bem fino e passa cuspe para capturar cupins e formigas dentro dos ninhos, entre outras ferramentas. Pesquisadores estudam sua capacidade de comunicação e memorização.
O bonobo (também conhecido como chimpanzé-pigmeu) é outra espécie que sabe usar ferramentas। Kanzi, bonobo de 29 anos criado por cientistas, consegue entender milhares de palavras e até frases faladas.
Fonte: Diário do Grande ABC
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